quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013




Eu não quero ir embora e esperar o dia seguinte. Porque cansei dessa gente que manda ter mais calma. E me diz que sempre tem outro dia. E me diz que eu não posso esperar nada de ninguém. E me diz que eu preciso de uma camisa de força. Se você puder sofrer comigo a loucura que é estar vivo. Se você puder passar a noite em claro comigo de tanta vontade de viver esse dia sem esperar o outro, se você puder esquecer a camisa de força e me enroscar no seu corpo para que duas forças loucas tragam algum equilíbrio. Se você puder ser alguém de quem se espera algo, afinal, é uma grande mentira viver sozinho, permita-se. Eu só queria alguém pra vencer comigo esses dias terrivelmente chatos.
Tati Bernardi

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013



Entre tantas outras

Coube ser a mim, ser a sem valor,
talvez o valor de uma comida.
Quem sabe de uma casa limpa.
Se um dia eu ainda a tiver.

Coube a mim ser mãe, sem se quer poder tê-los por perto.
Agarrou-me pelas vestes que me sobraram,
levei comigo o que cabia em uma bolsa de plástico.
Segundo outros, voltei a ser a …

Quem eu nunca fui, passei a vê-los de longe quando os olhava entrando na escola,
tive vergonha que me vissem suja, desajeitada, que tivessem vergonha de mim.
Me lembro de certa vez que meu mais novo de longe olhou nos meus olhos e
sorriu.

Me afastei e deixei que as lagrimas limpassem meu rosto, de noites dormidas na rua.
Tive que me submeter a fazer o que nunca precisei, passei a ser o que nunca seria.
Passei pelo amor rapidamente, ficou com medo da dor que viria logo atrás.
Os amo devastadamente, só não me deixaram ser quem eu precisava ser,
há quem precisava de mim, minhas raízes, meus frutos são os meus alimentos.


Chego-me aonde um dia deixei passos, lembranças, enfim...
Onde tive a oportunidade de ser eu, na espécie de minha natureza,
como um corpo nu ao claro.

Aonde em mim foi gerado o anseio, a angustia de estar longe.
Minha espécie se renovou ao retorno.
Seguindo o caminho já feito à luz do Sol.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012






Marcas de lama 


Ando pela rua em que fui criado vagarosamente,
olhando a cada detalhe, percebendo que pouca coisa mudou.
As lembranças me vem de forma rápida, as quais peço, CALMA.
Meus pés travam um pouco.
Meus olhos liberam suas águas...
Por que sei que não verei novamente muitos que vi brincar de carrinho.
Chegando perto de minha antiga casa percebo que as marcas de lama no muro vizinho ainda continuam...
Há um grande silêncio.
Vem a minha frente um menino magrelo das orelhas grandes, e chama alguém que não consigo identificar qual nome seria, não demora muito e vejo um menino falando engraçado em cima do muro, conversando com o outro.
Parece-me bom, mas acabo percebendo que sou eu no muro.
Esfrego os olhos inúmeras vezes olho para o mesmo lugar e vejo que está vazio.
Me zango, entristeço, lamento.
Saber que o menino magrelo, viu, tomou, fumou, usou, roubou, matou, morreu.
A ausência me parece mais perto do que qualquer sentimento,
não entro na casa volto-me, rapidamente fugindo de todo um coração em guerra,
a imagem de crianças correndo comigo ainda vem à cabeça, pude ver a todos ainda pequenos,
alegres meninos, sonhadores, sem nem um jeito com as meninas.
Ainda me vem à cabeça todos eles.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Big Boys Don't Cry - EXTREME
(tradução)






Quem é que disse que grandes garotos não choram
você disse que nunca teve uma ferida
Bem, ouça isso é uma mentira
Somos todos indefesos
Quando tivermos dor
Eu disse garotos e garotas são iguais sim,
Nós somos os mesmos

É meu jeito
Eu gritarei quando quiser

Grandes garotos não choram
Como se nada pareça importar
Grandes garotos não choram
Então porque eu
Grandes garotos não choram
Porque nada neste mundo
Sempre significa
Grandes garotos não choram

Ei, eu não estou envergonhado
Para falar de uma ferida
Está em meu olhar
Porque uma outra ferida
Fará alcançar seu lugar


quinta-feira, 8 de novembro de 2012


A UM AUSENTE

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste


quinta-feira, 25 de outubro de 2012


Lágrimas Ocultas

Se me ponho a cismar em outras eras
Em que rí e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi outras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!

 Florbela Espanca